Entrevista: Ayomi Domenica e sua trajetória até Sofia de “Levante”
A história da jogadora de vôlei que chamou atenção nos cinemas e, como em um saque poderoso, marcou ponto para o Brasil em Cannes
“Na primeira aula de teatro, lembro que escorreguei e caí no chão e não senti vergonha, gostei porque aconteceu alguma coisa”, descreve Ayomi Domenica Dias, 24, atriz e empresária, que, aos 9 anos de idade, descobria a sua afeição pelo mundo artístico no Centro Cultural Monte Azul, uma associação comunitária de São Paulo. E foi por meio da queda que percebeu que ali era seu espaço, passado alguns anos, junto de um elenco plural do filme “Levante”, discutindo assuntos poderosos da atualidade, sua personagem – e protagonista – Sofia a convidou para se levantar, quando a diretora de cinema Lillah Halla enxergou na atriz muito mais do que impulso, mas o desejo em se manter em pé.
“E SE EU CAIR? EU ME LEVANTO”
Nascida e criada em São Paulo, a atriz já viveu diversos personagens dentro das produções artísticas brasileiras, como filmes, curta metragens e séries, desde que iniciou as aulas de teatro percebeu que ali era o seu lugar: “Foi muito importante para mim, me senti acolhida e pertencente ao lugar, então não parei mais de ir até os 16 anos de idade”, conta a atriz.
Foi quando ingressou ao ensino médio que decidiu então prestar artes cênicas, dedicando tempo de prática e estudos para a profissão que parecia ter casado com os sonhos e aspirações da jovem: “Idealizar uma carreira de atriz foi uma ação que tive já quando adulta e trabalhando, entendo que fazer isso é um processo necessário para saber onde quero chegar, conforme fui fazendo teatro e me divertindo com tudo. O que eu queria era continuar, estar em cena, no palco e criando”.
Já adulta as idealizações continuaram, mas o cinema ganhou espaço atualmente em seus planos, além de plataformas de streaming que só crescem no cenário audiovisual e que abrem espaços para novos talentos: “Quero poder criar e participar de projetos artísticos com narrativas que me interessem. Quando eu vi o streaming chegando no Brasil, fiquei muito animada e empolgada e ainda é um veículo que me traz muita vontade e interesse em fazer, sobretudo séries, elas possuem a possibilidade de renovação e o público acompanha”.
“Em um primeiro momento a televisão nunca me brilhou os olhos e continua não sendo o meu grande objetivo como artista, acho importante frisar que o meu objetivo é estar em movimento, onde quer que esteja”.
OS CAMINHOS ATÉ “LEVANTE”
Uma das primeiras produções no audiovisual no streaming brasileiro, a série “3%”, original da Netflix, criada por Pedro Aguilera e com a direção de César Charlone, Daina Giannecchini, Dani Libardi e Jotagá Crema, teve estreia em 2016. Domenica participou da série e viu o mundo de possibilidades que se abria com novas histórias e personagens que ainda estavam por vir: “Me deu uma esperança muito grande, aumentaram os motivos que me fazem querer estar nessas plataformas, pude perceber que é uma possibilidade de trazer novas pessoas, rostos e narrativas, porque a TV, até pouco tempo atrás, tinha muitas limitações para assuntos delicados, políticos, ter protagonismos pretos e dissidentes, é com passos lentos que a TV tem mudado, e o streaming ganha nesse sentido, vejo que lá tem mais espaço para mim, com possibilidades de tocar em assuntos de arte com profundidade”.
Entre testes e mais testes as oportunidades dentro das telas vão surgindo e mais histórias chegam para a atriz, desde os personagens coadjuvantes até os que ganham mais notoriedade dentro das tramas, todos são valorizados por Domenica em seu processo de construção. Além da carreira profissional, os papéis ampliam seu olhar para a arte e para o os próximos passos: “Às vezes são personagens que as pessoas raramente lembram ou não sabem que participei do projeto, porém eles me me ensinaram o que é um set de filmagem, rotina do trabalho e suas dificuldades, além de me apresentar às pessoas, o que é muito importante porque é um investimento a longo prazo. Assim as pessoas me conhecem e veem que eu sou profissional, que sou competente e olham pra mim. Já são dez anos que estou nesse lugar de `me notem, eu posso fazer isso`, até que finalmente Lillah Halla me notou com bastante atenção”.
O OLHAR DE “LEVANTE”
Em um filme sensível e cheio de nuances foi nascendo personagem de Sofia, uma jovem negra de 17 anos, atleta principal de um time de vôlei da treinadora Sol (Grace Passô), que vive um momento de grande oportunidade na carreira esportiva, porém, descobre uma gravidez indesejada e inicia uma busca por um aborto clandestino, mas a situação torna a jovem um alvo de grupos fundamentalistas. E, em meio de muita luta interna externa, seu time de vôlei se torna o apoio incondicional.
O longa foi premiado na Semana de Crítica em Cannes, na França, por “combinar performances atraentes, montagem vibrante, música cativante e uma narrativa emocionante, mandando a mensagem de que o direito ao aborto são direitos humanos”.
Um grande momento na vida de todos que participaram da produção, para Domenica o dia da premiação foi para além de especial, chegou até a Cannes com a equipe no dia do seu aniversário: “Cannes foi um sonho muito concreto, muito bonito, forte e intenso. eu sabia que de alguma forma esse momento iria chegar, eu tinha uma intuição muito boa em relação a esse filme. Eu ainda estou processando sobre isso, mas eu sinto que mereço, que o filme merece e todos que fizeram também, um trabalho feito por pessoas muito competentes com bagagem e que dão conta do recado. Isso tudo representa bem o Brasil, acho que por esse motivo, chegamos lá sem pedir licença e de cabeça erguida por um motivo muito nobre”.
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“Foi muito feliz chegar nessa personagem, foi uma responsabilidade muito grande, mas eu gosto do desafio. Eu vivo na responsabilidade sendo quem eu sou, sei do peso que é a imagem que eu sou por si só e a história que eu tenho, enta e mais um pagina de um história que é pautada nisso, a minha vivência foi, é e será pautada também em uma responsabilidade social e política, fiquei feliz de poder exercer essa posição ativa através da arte e do meu trabalho”, explica a atriz.
“Me passou um outro filme na mente, um filme da vida, da minha história. Estar lá foi um recado para mim, ‘Olha só você consegue’”.
“LEVANTE”: ESTREIA NO BRASIL
A primeira exibição de “Levante” no Brasil ocorreu na noite de sexta-feira (13/10), no Estação NET Gávea, na véspera do debate no Cine Odeon – CCLSR, no Rio de Janeiro. Domenica estava presente no Festival do Rio para o debate ao lado da diretora, demais atores e toda a produção. Sobre a recepção do público brasileiro, acredita que o longa pode tocar no sentimento e abrir possibilidades de discussões sobre o tema, “Espero que a chegada seja de disponibilidade e de abertura para tantas mensagens que o filme possui, quero que ao menos uma delas chegue nas pessoas e as transformem, com amor, alimentando uma visão empática, principalmente com a nossa juventude brasileira”.
Para os planos futuros, a atriz deseja apenas continuar… “No momento, quero muito que a ‘Mutação de Apoteose’, a peça mais recente que fiz no Teatro Oficina, com direção de Camila Mota, viaje e passe por muitos lugares, tenho muito orgulho desse trabalho. Também tenho trabalhado na minha marca, onde crio e abro para outras pessoas que acredito, além de aproveitar do espaço e visibilidade que tenho, quero fazer grandes personagens importantes e significativos, contar histórias relevantes, assim como a de Sofia”.