Santzu: “O homem não se limita nunca” – entrevista exclusiva
Confira entrevista exclusiva com o rapper sobre sua personalidade, criação e conexão com a área, projetos futuros e outros assuntos.
Nem lembro quando mas em algum momento da história recente eu estava naquele limbo que, por vezes, se torna a escolha de músicas no YouTube. Até que eu vejo a recomendação de um featuring do Froid com um tal de Santzu. Não conhecia. Fiquei curioso. Levei um soco. Ou alguns.
Todo mundo que escuta rap com alguma frequência conhece “Autoestima em Dó” e a partir daquela faixa eu acredito firmemente que muita gente passou a conhecer o Santzu e a se interessar pelo artista. Pelo menos foi o que rolou comigo.
Imediatamente eu vidrei naquela agressividade genuína, naquela perfeita representação musicada de leão na savana. É uma agressividade inteligente, ligeiramente ácida, eficiente, cativante. As rimas que o Santzu trouxe na colaboração circulam entre vivências e críticas políticas e sociais, se envolvendo num tópico que me parece central: a autoestima do homem negro.
Achei genial.
Desde o descobrimento do artista, me mantive interessado no que estava acontecendo. Algum tempo depois, vocês sabem, saiu “Mixtape: O homem não para nunca, Vol. I”. Aí, naturalmente, eu já entrei com os equipamentos de segurança. Luva e capacete. E dale. Na primeira faixa após a intro, “Ninguém Morre me Devendo”, aquele leve sorriso já se forma no meu rosto e minha mente dispara algo como “Mano… filho da p…!”
Ocorre que, de forma extremamente positiva, uma faceta um pouco diferente do Santzu apareceu na sequência. A potência e agressividade, ainda presente em diversos momentos, foram realocadas em outras posições. O Santzu, dessa vez, cativou com uma abordagem mais intimista e reflexiva.
Na faixa “Vem tranquilo” ele discorre sobre alguns medos, defeitos, vazios e, pelo menos pra mim, não passou despercebido. Parece óbvio pensar que um indivíduo não se sustenta apenas sobre uma característica, mas é que, às vezes, um traço da personalidade é muito mais evidente que os demais, facilitando a vida dos rotuladores.
E convenhamos: pouca gente tem a coragem necessária para uma exposição dessa.
Toda essa complexidade, demonstrada não só pelas abordagens, mas pela inteligência singular nas rimas e nas ideias, pela sonoridade autêntica e pelos trabalhos bem construídos e não-perecíveis, despertam ainda mais curiosidade sobre “a mente do compositor”. E felizmente, o Santzu nos deu mais alguns detalhes de como ele opera na sua vida e na sua obra.
CONFIRA A ENTREVISTA COM ‘SANTZU’ NA ÍNTEGRA
AQUINO: Salve, Santzu. Gostaria de começar com uma pergunta um tanto quanto intimista: você se considera uma pessoa tímida? Quero dizer, percebo uma potência gigantesca na sua música, na sua voz, nas suas ideias, mas parece que quando você não está no “Modo Santzu” é um cara mais quieto, introvertido. O que você acha? Como é o Santzu na sua vida privada?
Salve! Então, começamos com uma ótima pergunta. A real é que na minha infância eu fui uma pessoa muito introvertida mesmo, quem me conheceu na época sabe, o jeito de me comunicar que encontrei foi a música, mas eu também nunca fui tímido, não tive dificuldades de apresentar trabalhos, lidar com público na época da escolha sempre foi tranquilo da minha parte.
AQUINO: Nessa linha, o seu verso em “Vem tranquilo” é de uma melancolia marcante, profunda. Em contrapartida, em faixas como “Ninguém morre me devendo”, a consagrada “Autoestima em Dó” e no seu último EP “Nobel”, em geral, você tem uma abordagem bem mais agressiva e, às vezes, até ácida. Isso demonstra a existência de um artista e um indivíduo complexo. Qual a importância dessas abordagens diferentes na sua música e como você concilia essas variações no processo criativo?
Ótima observação. Eu vejo o processo criativo de fazer música como um diário, nem sempre a gente tem as mesmas coisas pra falar. Sobre minhas perspectivas, estou sempre trazendo alguma experiência nova, por isso nem sempre minhas músicas soam com a mesma textura, isso é até um objetivo meu. Além do mais, é interessante experimentar caminhos novos. Não é o meu objetivo soar de forma complexa, mas prefiro esse rótulo em relação a ser mais do mesmo.
CRIAÇÃO E CONEXÃO
AQUINO: Onde você foi criado e qual o vínculo atual com as suas origens?
Sou nascido e criado no Gama – DF, morei em algumas quadras diferentes no decorrer da minha infância, então sempre tive certa dificuldade de manter laços, apesar de ainda poder reencontrar amigos antigos. Quando você se muda da sua área não é mais a mesma coisa. Essas situações ajudam a responder um pouco mais a primeira pergunta. Hoje eu tenho ficado um pouco mais distante de onde nasci por ser um pouco distante de onde eu mantenho a maioria dos meus compromissos tanto como artista quanto como produtor.
AQUINO: Na sua área, tem mais artistas surgindo e se envolvendo na cena?
Brasília é um berço enorme de artistas em diversos âmbitos. Tenho visto muitos nomes aparecerem e colocando trabalhos irados na rua. Como eu também trabalho como produtor a 5 anos aqui, ainda tive a oportunidade de receber com exclusividade alguns outros. Por aqui também temos uma certa dificuldade de se consolidar, acredito que como em boa parte do país, mas enxergo em Brasília uma energia especial pra fazer música, não sei dizer se pelo clima ou paisagem, mas sinto que aqui tem algo especial e que ainda vamos conseguir construir algo grande por aqui. E claro que falo isso desconsiderando alguns artistas locais que já construíram sua reputação em larga escala.
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PARCERIA E PROJETO COLABORATIVO COM FROID
AQUINO: Por conta da sua carreira em andamento, foi necessário algum deslocamento pra se adaptar melhor ao mercado nacional? Digo, é muito comum artistas se mudarem para São Paulo, por exemplo, em busca de mais oportunidades. Na sua carreira teve alguma mudança nesse sentido?
Cara, no meu caso, quando eu comecei a trabalhar com o Froid, precisei me deslocar bastante para estar presente em reuniões e compromissos, além das minhas rotinas de estúdio, por isso nesses últimos anos eu passei muito pouco tempo em casa. Hoje por exemplo estou passando uma temporada trabalhando no estúdio com um amigo e bem mais próximo do resto da equipe, o que possibilita ainda mais que meu trabalho flua. Não me vejo ainda saindo daqui de Brasília por enquanto, mais também não ignoro essa opção, estou caminhando de acordo com minhas possibilidades, se em determinado momento eu tiver essa necessidade, por que não?
AQUINO: Qual foi o momento em que você e o Froid tiveram aquele estalo, tipo, “Porra, precisamos fazer coisas juntos”?
Foi algo muito natural, desde que eu estive com o Froid pela primeira vez em estúdio, me identifiquei muito com a forma como ele trabalhava, a visão de estúdio, de trabalho, a vontade de querer estar lá fazendo música, eu também tenho essa parada em mim, e de tanto estarmos ali acabamos fazendo muitas coisas juntos.
AQUINO: Na minha opinião, “Mixtape: O homem não para nunca” é com sobras um dos melhores trabalhos do último ano. Vocês intitularam como “Vol. I”. Significa que em breve teremos uma continuação?
Começamos a trabalhar no vol. II há algum tempo, temos algumas coisas prontas já.
AQUINO: O uso da palavra “Mixtape” seria uma espécie de provocação?
De forma alguma, o termo Mixtape é muito clássico pro estilo de música que a gente faz, eu sempre me amarrei nessa estética e pretendo lançar muitas mixtapes ainda.
PRESENTE E FUTURO
AQUINO: Como você enxerga o atual momento social e político por aqui e qual o impacto da pandemia na cultura e na música? Teve algum projeto em andamento paralisado?
Sem dúvida estamos atravessando um momento muito nebuloso, tanto social, quanto político e econômico, tudo isso tem afetado não só os meus trabalhos como o da maioria dos artistas. Estamos reaprendendo a nos mantermos de pé agora que não tem mais previsões para os próximos calendários, e ao mesmo tempo que temos mais tempo para estar no estúdio trabalhando, confesso que tem sido muito difícil não ser afetado pela situação do nosso país e pelo número assustador de pessoas que estão sendo levadas embora nessa pandemia.
AQUINO: Quando a normalidade se reestabelecer, se é que existe essa possibilidade, quais os planos do Santzu?
Eu acho difícil as coisas voltarem a ser como eram, imagino que será um recomeço, mas de qualquer forma meus planos são de continuar trabalhando e continuar fazendo música
AQUINO: Algum material próximo de sair?
Atualmente estou finalizando mais um disco, tenho um material bem diferente do que lancei na rua nos últimos anos, meu público tem me cobrado bastante (risos). Estou resolvendo ainda um monte de burocracias pra conseguir colocar esse trampo na rua, talvez surpreenda algumas pessoas que ainda não me conhecem. Então se você não tava ligado, que tal dar uma chance pra mais esse artista independente?!
OUÇA “NOBEL”, FAIXA QUE INTEGRA O ÚLTIMO EP DE SANTZU