Não é de hoje que o Rap Dab conhece o trabalho de MC Soffia, tão pouco o público. A artista paulistana, que começou a cantar com apenas seis anos, está entre os jovens talentos que mais se destacam no cenário do rap nacional.
O próximo trabalho, inclusive, já tem data confirmada. Dia 19 de maio, tem o lançamento de “Os Preto Chic”. Já no próximo dia 11, MC Soffia estreia em mais uma participação no cinema. Ela faz parte do elenco de “O Homem Cordial”, protagonizado por Paulo Miklos e Thaíde.
Agora, um dos pontos da história de MC Soffia, que ainda não é tão conhecido como seus hits, tem relação com a força de sua ancestralidade feminina, transmitida por sua mãe e avós, que reiteram a importância do vínculo com aquelas que vieram antes delas. E assim, pelo viés desse o tema, o Rap Dab conversou com três gerações de mulheres inspiradoras.
MC Soffia tem uma ligação com sua família de muito respeito e admiração. Tanto sua mãe Kamilah Pimentel, como suas avós, Lúcia Makena e Yessame Gregório, estão presentes em sua vida pessoal e profissional. Uma família de mulheres artistas que reforçam a potência feminina de Soffia.
MC Soffia, filha da Kamilah, neta de Makena e Yessame, a Lady da Quebrada
“Lady da Quebrada”, single do EP Rapper, trabalho mais recente de MC Soffia, atinge números impressionantes. Um hit que se tornou hino entre as mulheres pretas e periféricas e que vai além da quebrada, sendo sucesso nos tocadores de milhões de pessoas independente de gênero, cor ou credo.
Empoderada desde pequena, MC Soffia chega a uma nova fase da carreira. A “Menina Pretinha” conquistou muitas jovens negras com um discurso de auto aceitação, além de ter sido a primeira brasileira indicada ao BET Awards 2018, na categoria melhor clipe. Hoje, aos 19 anos, canta sobre o empoderamento a partir de outra perspectiva. Temas que já estão em “Lady da Quebrada” e seguem sendo reforçados nos projetos que estão por vir.
“É mais uma missão mesmo de artista, fazer música que entregue ideias relevantes para a vida das pessoas. Uso da minha vivência de jovem negra e bissexual para falar das coisas que sinto. Nós comunidade negra nunca convivemos com o medo, porque caso contrário não teríamos fugido da senzala para os quilombos. Não sei se é coragem ou necessidade”,
afirma MC Soffia.
Trajetória de milhões
Aos 19 anos, MC Soffia tem passagem pelo Word Woman Foundation; participação em cinco filmes nacionais, além de ter sido citada na matéria “Good Night Stories for Rebel Girls: 100 Real Life Tales of Black Girl Magic”, em livros didáticos e teses de mestrado. Figura da campanha da ONU “Orange The World”, ela é a pessoa mais jovem a receber o Colar de Honra ao Mérito da Assembleia Legislativa de São Paulo.
E não para por aí! MC Soffia já desfilou no São Paulo Fashion Week, recebeu o Prêmio Raça Negra, esteve duas vezes no desfile da Vai Vai, foi indicada ao MTV MIAW 2022, participou do Rock In Rio 2022 a convite de Ludmilla e estrelou uma campanha para a Chevrolet.
Os próximos passos
Multifacetada, multiartista, MC Soffia ainda diz que pretende seguir estudando. “Não tem como parar, o estudo é sempre muito importante na vida das pessoas”, garante a Lady da Quebrada. Entre seus planos acadêmicos está uma graduação em Ensino Superior e também cursos livres na área de música.
Para o primeiro semestre de 2023, ainda está confirmada em um reality de moda ao lado de ninguém menos que Alexandre Herchcovitch. E mais: estrelará um novo filme nacional, além, claro, dos lançamentos de música que estão por vir. Definitivamente, uma figura emblemática e reconhecida por sua forte representatividade.
“Estou seguindo meus sonhos. Apesar do racismo e machismo, o tempo todo, tentarem me impedir, estou seguindo em frente e conquistando tantas coisas boas. Espero estar passando essa força para a juventude, muitas vezes tem sido uma troca. É importante que além do rap, o poder público tenha ações afirmativas para a população negra, já existem várias, mas ainda tem muito o que lutar”, afirma Soffia.
Ainda conforme MC Soffia, conquistar seus sonhos tem uma enorme ligação com o incentivo da família, que sempre esteve apoiando sua jornada. “Minha mãe largou tudo para lutar junto comigo. Minhas avós sempre estiveram presentes me apoiando e fortalecendo em tudo, para minha formação enquanto ser humano”. A força da ancestralidade feminina. Aliás, sobre isso, MC Soffia também tem um discurso claro e preciso.
“Nós, comunidade preta, temos uma forte ligação com nossa ancestralidade e sempre reconhecemos que se chegamos até aqui foi por conta delas e deles. Temos muitas questões pra resolver como a violência contra jovens negros e negras, mas temos conquistas também. Não à toa, tenho músicas que falam de empoderamento, luta e resistência”,
reforça a artista.
Kamilah Pimentel, mãe e empresária
A mãe de MC Soffia, Kamilah Pimentel e suas as avós, também estão ligadas à arte de forma atuante. Inclusive, Kamilah, enquanto empresária da filha, é figura conhecida, sobretudo dos fãs da artista, por acompanhar bem de perto cada passo da carreira de Soffia. Aos 37 anos, Kamilah Pimentel é graduada em Eventos, pós-graduada em Gestão de Projetos Culturais e Organização de Eventos, estudou Direito, além de ter formação em uma série de cursos de educação continuada na área da música.
“Ser empresária da Soffia é um desafio diário e também uma grande responsabilidade, estou sempre me cobrando, por isso, estudo muito. E sou muito grata, por tudo de bom que acontece com a Soffia e comigo também. Realmente, ela ficou conhecida muito cedo, mas sempre lidamos bem com essa questão, sem deixar subir à cabeça”, afirma a mãe Soffia.
Kamilah também é sócia da filha, tanto na gravadora quanto na produtora que gerenciam a carreira da própria MC Soffia e têm o intuito de trabalhar com outros artistas independentes. A gravadora Akanni Arire (nomes de origem africana que significam rentável e boa sorte) e a produtora AIFFOS (nome da Soffia ao contrário).
“Pensei em nomes africanos para nos fortalecer. Os artistas independentes estão crescendo muito no mercado da música, então estamos lutando para conquistar nosso espaço”, explica Kamilah que ainda reflete sobre o fato de encarar as inseguranças que podem surgir no percurso profissional.
“Eu sempre apoiei os sonhos da Soffia, na verdade apoio ainda, sei do potencial dela e que é super válido investir e quebrar as barreiras que toda hora aparecem. Não dá pra ter medo, temos que seguir com força, consciência e estudo. O processo de gerenciamento da carreira foi orgânico, conforme surgiam os convites eu ia tentando conciliar com meu trabalho na época. Hoje, estou mais estruturada com uma equipe familiar e pessoas que acreditam no sonho da Soffia e estão junto para somar”.
Kamilah ainda conta que sempre criou Soffia com muito diálogo, inspirada por sua mãe, Lúcia Makena, que a ensinou sobre a importância do apoio familiar e de lutar pelos seus ideais. “O que nos fortalece é a nossa ancestralidade negra e a partir dela seguimos lutando por tempos mais amenos”.
Lúcia Makena, avó e assessora de imprensa
Aos 61 anos, Lúcia Makena é assessora de imprensa de MC Soffia e estudante de Jornalismo. Idealizadora do Portal Makena News, que divulga artistas pretos e assuntos culturais e históricos da comunidade negra, a mãe da Kamillah e avó da Soffia, também tem formação em Pedagogia, além de uma relação antiga com a arte.
“A arte sempre fez parte da minha família, minha mãe sempre gostou de fazer tapeçaria e meu pai era músico e tocava em bandas, seus instrumentos de trabalho eram guitarra, violão, bandolim, banjo. Ele dava aulas de violão particular e em algumas escolas de música. Com 40 anos, também comecei a produzir bonecas de pano negras”, conta Makena.
E assim, Lúcia atua como empresária das Bonecas Makena, assessora e jornalista. “Estou fazendo algumas coberturas de shows e eventos, junto com a Yessame que está fotografando. Na verdade, estamos aprendendo, tem sido muito gratificante”, pondera Lúcia com toda humildade do mundo (mal sabe ela que nós que estamos aprendendo com tamanho exemplo).
Lúcia ainda conta que sua relação com música negra vem dos anos 70 e 80, quando curtia bailes de black music em São Paulo como Chic Show, Musicália, Os Carlos e Zimbábue. “Mais tarde inicio uma vivência nos shows de rap. Hoje, gosto muito de fazer cobertura de shows e publicar no meu veículo de comunicação”.
Será que MC Soffia curte um baile – e tem sido a dona de muitos deles – porque? Fica a pergunta que, com certeza, tem parte de uma clara resposta respondida aqui.
“Enxergo a ancestralidade feminina como uma força que está dentro de nós, apoiando e fazendo acreditar que apesar de todas as barreiras, aos poucos tudo vai dar certo”,
finaliza Lúcia Makena.
Yessame Gregorio, avó e fotógrafa de MC Soffia
Aos 62 anos de idade, Yessame Gregorio, avó de MC Soffia por parte de pai, atua como Técnica de Enfermagem, além de ser formada em Direito e ter cursado pós em Cultura, Educação e Relações Étnicas. De quebra, ainda por vezes atua como fotógrafa da neta, de shows e eventos.
Para Yessame a arte é a expressão cultural, o que conecta o ser humano com ele mesmo e com a vida. Seja lendo, pintando, desenhando, cantando, dançando, ouvindo e contando histórias.
“A arte seja de qual segmento for, ela liberta. Eu sou uma pessoa jovem amadurecida pelo passar dos anos e na minha tenra juventude, a forma mais comum, mais próxima, mais acessível de arte foi a música. O canto das pessoas. Minha mãe ouvia muito rádio, meu pai lia muito”, relembra Yessami.
Sobre a fotografia, ela conta que sua relação é com imagem capturada e não com o retrato em si. “Me interessa o movimento, a natureza, as pequenas coisas, que se tornam gigantes quando registradas. O tempo de hoje é o mesmo de sempre. Se você tem acesso, você voa. Teria feito tomadas espetaculares, com tantas situações maravilhosas que já passaram por mim e o registro é só meu, é memória, lembrança que se esvai. Então, registrar uma minúscula florzinha, que resilientemente, lindamente reina em um furinho de uma área de concreto, pra mim é arte, é movimento, é leveza, é música, é vida, vida em qualquer ano que se viva”.
Yessame que, por vezes, fotografa shows da neta e de outros artistas, diz ter deixado os filhos livres para se expressarem. E ainda traz uma reflexão inspiradora sobre ancestralidade ao ser questionada em como enxerga essa potência.
“Eu não enxergo a ancestralidade feminina, eu sinto a ancestralidade feminina e masculina una, na fragilidade que nos foi negada. Na força cruelmente imprimida para infligir-nos do pior de seus egos. Apagar a nossa forma de viver, sentir, expressar a nossa relação, vivência, sobre a arte é um dos atrasos evolutivos da humanidade. Mas a nossa força é outro nível”,
conclui Yessame.