Conheça o Covil da Bruxa: Pretos e favelados organizados em uma facção de artistas

Conversamos com quatro membros do coletivo para saber sobre a história e as ambições do grupo que vem das periferias do Rio de Janeiro

Covil da Bruxa. Um nome, um selo, uma organização, uma família. Muitos significados. Assim os próprios integrantes da gravadora se definem. Originado dentro de um ônibus em meados de 2016, o grupo surgiu com uma única ambição, transformar o cenário da música no Rio de Janeiro. A galera que já frequentava rolês de rap juntos nas entranhas do Rio, havia se unido para integrar um movimento de extensão nacional, que tem redefinido o conceito de arte para muitas pessoas. Nas favelas, nos guetos, não se tem muitos exemplos de grupos organizados que transformaram o cotidiano de tantos pretos e favelados como a Covil faz. Mas antes de contar efetivamente como eles fazem isso acontecer, precisamos voltar alguns anos. 

Conversei diretamente com alguns membros do selo para saber mais sobre a história e os projetos do grupo. Numa troca de ideias descontraída, muita visão foi passada. Ao todo, quatro integrantes do coletivo me receberam pra compartilhar suas vivências: Linus, Britto, Billy, Vnd e Linus. O Linus, CEO e músico da organização, começou o papo me contando sobre o curioso nome por trás do conjunto. Covil da Bruxa significa cova habitada por animais ferozes e mágicos, que fazem bruxarias. Esse conceito foi uma ideia de um ex-membro, o  WC (in memorian).  WC é citado em muitos sons da Covil como referência dos seus irmãos dos corres. Ele foi um dos responsáveis por tirar esse projeto da lama, como cita o Linus. Vnd, o Vandão,  ainda complementa lembrando que o WC sempre foi um cara de bom coração, e o maior incentivador de toda a rapaziada.

WC vive, mais que uma referência

WC, além de responsável por nomear o grupo e incentivar os membros a se aventurarem, também foi a mente que introduziu o drill nas vivências dos comparsas de Covil. O drill é um gênero musical vertente do rap que conta experiências de marginalizados em batidas sombrias e flows violentos, que na gringa ficou conhecido como som das gangues. Mal sabia ele que seria um dos cabeças por trás de um movimento pouco ou jamais visto dentro da cidade maravilhosa. Lembrando que o Rio sempre foi âmbito de grandes artistas que influenciaram movimentos de periferia com letras que narram o dia a dia frenético de pessoas que nasceram sem poder contar com privilégios. Exemplo disso é o funk e o clássico rap, que hoje estão em constantes evoluções guiados por essa turma que traz uma estética nova para seus trampos. 

Hoje, a gravadora é integrada por artistas dos mais variados, desde mcs a produtores musicais, passando pelo staff. Fazem parte do grupo, além dos entrevistados, Leall, Tarcis, Luna, Leco, DJ Rass, Biel, Wil Win, Tokio DK, DG, Puma e Bil, todos vindos de comunidades do Rio de Janeiro, cada um com sua característica e originalidade. Eles viram na arte uma forma de se reinventar. Linus conta que hoje cada um faz seu trampo, até porque ninguém é igual, mas todos sempre se ajudam no que for necessário, ressalta.

Quando perguntados sobre o que pensavam e planejavam profissionalmente lá em 2016, o grupo conta que desde o início todos enxergavam potencial no corre. Eles explicam que a sensação que tinham era que na época eram capazes de fazer arte de forma única, e o que faltava apenas era visibilidade. Linus conta que “Chegou um momento que não dava mais para levar no amadorismo, chega de ser amador”. Foi então que houve uma reviravolta no grupo.

Uma facção de artistas contra o sistema

Os empreendedores da arte, pretos e favelados, sabiam que ali do lado não tinham apenas companheiros de trabalho, e sim irmãos dividindo os mesmos sonhos. Inspirados pelo Nectar Gang, grupo de rap de sucesso no Rio de Janeiro, os artistas colocaram a cara a tapa. Linus conta que estudar e ter planos é super necessário, pois só assim eles chegam a objetivos. “Tem que saber de tudo um pouco, e fazer algo sólido” conclui. Britto e Billy completaram dizendo que é necessário sempre elevar o nível entre eles. “A gente se cobra muito, é uma competitividade saudável porque queremos o nosso melhor”.

Gravação do clipe de Ecomenda, do rapper Leall. Foto: JDfotografia

Os membros do coletivo afirmaram também que não produzem um gênero específico, apesar de terem se popularizado no drill. 

“Somos artistas que fazem música, não nos damos ao luxo de fazer só um tipo de música. O drill foi um experimento. Combinava com nosso estilo de vida e decidimos experimentar, aí encaixou. Tanto o drill, quanto o grime (gênero de música urbana com influências da eletrônica e do rap surgido na Inglaterra). A covil é diversificada, fazemos trap, funk, muitas coisas. A gente não se prende. queremos sempre fazer o novo. Fugindo da zona de conforto.” finalizou Linus.

“O rolê do rap é sujo. Muita gente oportunista.”

Apesar de terem abraçado o movimento hip hop e produzirem rap, os integrantes comentam que nem tudo é o que parece, e que falta muitas vezes união dentro da cena. “O rolê do rap é sujo. Muita gente oportunista. É tudo sinistro. Nós tivemos que aprender a lidar com isso. Muita gente malandra. A galera quer  sempre fazer intriga. Nós não queremos ser conhecidos por briga, e sim pela nossa arte.” conta o rapper Britto. Tanto ele quanto os outros participantes afirmam que as mídias deveriam dar prioridade pra quem tá pelo certo e “deixar de dar atenção pra tretinha”, finaliza Britto. 

O também rapper Billy, mais tímido do grupo, diz que é uma luta diária para ganhar notoriedade. “Bagulho é uma selva. Tão sempre querendo te derrubar”. Aqui, percebemos que além do próprio sistema que oprime movimentos artísticos que vêm das periferias, a cena ainda tem que lidar com egos inflados e conflitos internos. “Tem gente que chega na internet e inventa personagem, quer falar o que nunca viveu. Só pra ganhar hype.” conclui Britto.

Linus também abriu o jogo sobre a cobrança de posicionamentos dos integrantes do coletivo. Recentemente, eles tiveram que lidar com o caso do rapper Thxuzz, que foi acusado de agressão por uma ex-companheira, e afastado do grupo. “Tivemos que tomar providências para não gerar conflitos e respingar nos trampos. A gente não pode mais errar, principalmente na era do cancelamento. Não tem escapatória, já que agora percebemos que inspiramos os ‘menor’ da área. É tudo uma relação de consenso.” finaliza Linus.

Lançamentos

O grupo reunido em 2019

Sobre projetos futuros, todos os artistas estão envolvidos de alguma forma nos lançamentos. Neste mês de março já foi para a pista o disco do Leall, intitulado Esculpido a Machado. Para esse ano ainda estão previstos projetos solos de outros artistas do selo, como o próprio Britto, que comenta já está com metade do seu álbum pronto e sua mixtape Nova Febre  engatilhada pra sair.  Além dele, VND também está em processo de criação de um disco. Tarcis, rapper e produtor musical, é outro que já tem um projeto pronto para ir pra pista. TokioDK, outro destaque da gravadora, tem o objetivo de lançar uma mixtape, ele ainda tem um single recém lançado intitulado Rumo ao Estrelato. Além de trampos individuais dentro do selo, vários singles estão programados pra sair nos próximos meses. Como eles mesmos comentam: “não dá pra parar”.

Sobre agenda de apresentações, o grupo não foi hipócrita a ponto de falar que não fizeram, mesmo em meio a pandemia. VND e Linus levantaram essa questão dizendo que já fizeram alguns shows em algumas comunidades nos últimos meses. Britto comentou: “Nós precisamos nos alimentar. Infelizmente é isso. Pra nós tudo é mais difícil”. Em conjunto a isso, eles também aproveitaram pra falar sobre a falta de comprometimento de contratantes desde antes da pandemia. O grupo explicou que o pessoal contrata o show de um artista, mas quer que todos os artistas se apresentem.  O CEO finaliza: “O contratante se faz de maluco às vezes”.

Futuramente, a ideia dos membros é produzir uma festa da Covil. Um evento dedicado a propagar e popularizar artistas já em destaque e outros que estão chegando. Ainda quando perguntados sobre o futuro, Britto se imagina sólido e diz que não quer apenas ser um ídolo momentâneo. Billy, aquele mesmo de poucas palavras, se empolga com as perspectivas que tem para sua carreira. Hoje, pra produzir música, dinheiro é o maior problema, principalmente pra quem nasceu em meio a escassez. No entanto, não é apenas o dinheiro que é importante. Observando a atividade da Covil é notável isso. Pra fazer acontecer é necessário ter atitude.

Quebrando estereótipos e se desafiando, esses irmãos mostram que as ambições fogem ao clichê de apenas ganhar dinheiro e fama. Britto finalizou sua participação na entrevista comentando que faz músicas pra fugir dos problemas, a arte é uma válvula de escape. Cria  da Zona Oeste, Britto conta que hoje consegue fugir da violência e das mazelas por conta da música. “A música me liberta”, finaliza. 

Made in favela

Tudo que sai da favela vão criticar. Mas no fim vira moda. Fizeram isso com funk. Com as camisas de time. Tem influência da favela em tudo. Agora, com o desafio de ganhar cada vez mais espaço dentro do cenário nacional, a Covil da Bruxa mostra que nada é tão poderoso que pretos e periféricos unidos com um mesmo objetivo. No fim é o que vale. Independente do que aconteça, essa organização vai além de uma gravadora, é uma família. 

Compartilhar:
Sair da versão mobile