Das memória da Baixada Fluminense ao Encontro com Fátima Bernardes

Os “portais” da ancestralidade e do imaginário preto abertos pelo multiartista Tarso Gentil nas telas do Encontro com Fátima Bernardes.

A memória das ruas do Gramacho na Baixada Fluminense e da sua família inspiram as obras do artista visual, ator e cenógrafo, Tarso Gentil, que a partir de segunda-feira (18) terá trinta de suas artes exibidas nos palcos do Encontro com Fátima Bernardes, na Rede Globo, que seguirá até sexta-feira (22).

Envolvido com arte desde criança, e tendo passado por vários cursos como Escola de Teatro Tablado e Escola Técnica de Teatro Martins Pena, o artista apresenta em seu trabalho seus atravessamentos, conduzindo uma linha tênue entre a sociedade e o indivíduo,  o corpo e o espírito.

O que começou a partir de uma pesquisa sobre os caminhos traçados entre linhas e pontos, deu vida à obras que trazem as figuras do imaginário de Tarso, do encontro entre os ensinamentos de familiares, como avós e tios avós, das ruas por onde passa, das dramaturgias que escreve e das memórias sensoriais e afetivas das ancestralidades africanas e indígenas, com os propósitos de abrir portais para quem as observa e de ressaltar a importância se destinar atenção às trajetórias de pessoas pretas.

“Os pontos são os lugares em que você não necessariamente para, mas que você de alguma maneira deixa sementes. As linhas, são por onde você passa, é sobre o caminho. Já as cores, carregam a alegria, o respiro.” conta o artista.

Na cidade em que os números apontam o sucesso do projeto estrutural, eleito por Abdias do Nascimento como “genocídio do negro brasileiro, onde 78% dos mortos em ações policiais no RJ são pretos ou pardos (2019), ou que oito corpos encontrados em áreas públicas fazem parte do cotidiano, um cenário se faz comum: crianças privadas de liberdade para existir, explorar as ruas em que vivem ou até se comunicar.”

Essas características, marcadas pela racialidade, acompanham a maioria dos adultos das periferias cariocas. Mas às vezes, fogem à regra. Foi assim com Tarso Gentil. A arte foi sua válvula de escape. 

“A arte foi pra mim um objeto transformador
em relação a comunicação com o mundo” –

Tarso Gentil.

O menino considerado tímido durante a infância e adolescência, encontrou na arte a possibilidade de desenvolver e explorar não só os talentos manuais que já faziam parte de sua rotina, mas também as dificuldades de comunicação e relacionamento que tinha.

Hoje, após romper essas barreiras, entende que a sua caminhada e o seu trabalho “têm a ver com uma missão”, um exercício comum e cotidiano para os povos que cultuam uma ancestralidade africana, o retorno à sua comunidade e o trabalho com o futuro de tudo, os mais novos.

Saiam das ruas, desçam dos palcos…

Artista plástico e visual, ator com passagens no teatro, compondo o Coletivo Artístico Confraria do Impossível, ganhador do Prêmio Shell 2019 na categoria Direção pelo Espetáculo Esperança na Revolta, cinema e televisão, cenógrafo, educador e bonequeiro, o contato com a rua e com o público são essenciais para a movimentação artística de Tarso Gentil. Em meio a uma pandemia que dura mais de 7 meses no Brasil e no mundo, a arte, o movimento e o contato mudaram. Mudaram não, se ressignificaram.

Durante esse período, o multiartista carioca, assim como boa parte da classe artística, precisou encontrar outras formas e ambientes para dar luz ao seu trabalho. Foi estudando artes digitais e colocando em prática parte desses processos em suas obras que Tarso encontrou uma nova forma de apresentar e incrementar o seu trabalho. 

Apesar do contexto em que as incertezas atravessam nosso corpo e mente, interferindo em produtividade, estado do espírito e inspiração, estes, tão importantes para o processo criativo. A arte de Tarso quebra tabus e segue demonstrando sua capacidade de abrir portais e de se renovar. Axé e vida longa! 

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