#FreeEsco: Jovem Esco divulga informações sobre novo álbum, em grande ato pela liberdade

Rapper conversou com o Rap Dab e trouxe informações sobre o novo álbum, a prisão iminente e sua visão de liberdade.

Desculpa iniciar com este clichê moralista, mas tornou-se banal MCs vendendo uma imagem distorcida em suas músicas, surfando no “hype da marginalidade”, muitas vezes em uma narrativa que não é verdadeiramente experimentada e que, ainda que fosse, pode-se discutir a vontade de “celebrar” isso.

Alguns rappers ganham uma repercussão, na minha opinião, indevida. Parte do público entra no embalo e compra as ideias, assim como artistas ainda desconhecidos e que buscam se afirmar observam e reproduzem o conteúdo dessas faixas consagradas. A fita é, qual a vantagem disso? E pra quem?  – Confira: O Rap Nacional Embranqueceu?

O Brasil é o terceiro país com maior população carcerária do planeta, atrás apenas de nações bem mais populosas, como EUA e China. A superlotação carcerária é evidente e todo mundo sabe que lá dentro a maioria é de pretos e pardos. Por aqui, enquanto alguns artistas privilegiados brincam de imitação, só pra ficar na música, a gente teve Rennan da Penha encarcerado e o MC Poze supostamente está foragido. Jovem Esco está na iminência de ser preso.

Ainda que em contextos diversos, o ponto é que artistas negros e bem mais honestos com seu público, com si mesmos e com a própria obra, estão infinitamente mais opostos pela sua existência e ao falar de sua experiência, enquanto continua o louvor por artistas de obra e narrativa duvidosas que se deleitam em uma vivência enganosa.

Fato é que, quando procurei o Jovem Esco para uma entrevista sobre o próximo disco, recebi a informação do próprio artista que a sua prisão era inevitável. Fiquei surpreso e confuso. Enquanto jornalista, me senti também na obrigação de checar a informação, o que se verificou.

Jovem Esco recebeu em maio deste ano a notícia da sentença. Conforme extraído do processo: “em relação ao réu, diante da vedação à reformatio in pejus indireta (cinco anos e quatro meses de reclusão e treze dias-multa, no valor mínimo legal, a ser cumprida em regime inicial semiaberto). Assim, diante do trânsito em julgado do decisum (certidão de fl. 724), expeça-se mandado de prisão de Pablo dos Passos de Medeiros para início do cumprimento da pena. Cumprido o mandado, expeça-se PEC correspondente.

* Para preservar parte da intimidade do artista, escolhi não compartilhar o número do processo, que é público, e o nome completo do artista.

Da sentença, sabemos que o artista vai ter que enfrentar o regime semi-aberto, menos gravoso que o fechado, mas que ainda consiste em recolhimento à “colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar”, conforme verificamos no Código Penal. Ainda, pelo tempo da pena, é possível que em breve o mesmo progrida para o regime aberto, possibilitando maior flexibilidade e liberdade, mas ainda assim com direitos restritos. 

Art. 33 – A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º – Considera-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média;
b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar;
c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.

A história por trás da sentença judicial o próprio Jovem Esco vai contar na continuidade do texto, mas como o mesmo disse em seu último lançamento, “Novo Status”, “verme adora um jovem negro atrás das grades”. Não sei à quem o Jovem Esco estava se referindo, mas eu me refiro à esse Estado punitivista que massacra os jovens negros com muita cadeia e pouca estrutura social e psicológica.

Mas a fita é que um momento como esse também traz uma perspectiva única, afinal, “pressão faz diamantes, tu já sabe”. Diante da notícia, restava aguardar a expedição do mandado de prisão e se conformar. Ou aproveitar os últimos momentos de liberdade para realizar um grande ato libertário. Ou ambos.

Se por conta da pandemia iniciada nos últimos meses a prisão acabou sendo postergada, o rapper fez questão de trabalhar em uma material poderoso, cheio de vivência, cheio de expressão e com a participação de diversos artistas que podem engrandecer ainda mais essa obra.

Antes de experimentar a realidade amarga da prisão, Jovem Esco aproveita para programar seu próximo lançamento, marcado para o dia da independência, sete de setembro, disponibilizando onze faixas que representam sua liberdade em “Free Esco”. Acho que a melhor abordagem é simplesmente deixar o MC fazer seu relato e convencê-los do quanto a sua liberdade é valiosa. 

CONFIRA NA ÍNTEGRA A EXCLUSIVA COM O ARTISTA

A NOTÍCIA QUE RESULTOU EM “FREE ESCO”

AQUINO: Salve, Esco! Prazer em receber em primeira mão esse material do novo álbum e trocar essa ideia contigo.

Primeiramente, salve mano Gabriel. Salve pretos e pretas, salve equipe e salve geral. Salve Rap Underground Brasil. É um prazer estar aqui de boa, falando desse trabalho novo e um pouco de mim também.

AQUINO: Gostaria de começar perguntando qual é a ideia por trás de “Free Esco”. Qual liberdade você está buscando?

Fiquei pensando de que forma falar disso, pois sempre me gera um desconforto de como e por onde começar. Deixa eu te falar… Há uns 7 anos atrás eu fui em cana. Isso, cana. Era envolvido com várias fitas conturbadas, por uma pá de fita que enfrentei desde moleque sem entender direito.

Resumindo, eu roubei pra ter o que comer por uma situação fodida em que eu estava vivendo, tanto social, psicológica e financeiramente falando. E aí eu, réu primário, em 2020, em casa por causa da quarentena, bolando um EP casual, recebo a notícia que tenho que encarar seis anos de cana.

Então, já que me sentia refém dessa situação geral, com incompreensão e pensamentos de revolta, com o afastamento de amigos por causa do covid, o isolamento, junto de todo os pensamentos negativos em relação à Justiça, decidir expor minha história nas redes, aceitar a situação e encarar de peito aberto e fazer minha parte, mesmo achando injusto e eu estando cheio de ódio.

De qualquer forma, estou livre em mente, irmão. FREE! O crime abraça vários mas o crime não é pra ninguém, penso eu. Não é motivo nenhum de mérito ou orgulho ter essas vivências na ficha.

AQUINO: Verificando o processo, eu percebi que ainda não existe o mandado de prisão. Como é aguardar esse momento?

Foi logo no momento que estourou tudo isso de corona, por causa do vírus. A qualquer momento podiam gerar o mandato e eu ir pra trás das grades encarar esse veneno e pagar pelo meu passado. Mas cá estou eu falando do álbum novo. Free Esco!

FREE ESCO: CONCEITOS E PROPÓSITOS

Capa do Free Esco EP

AQUINO: E aí já a partir dessa vontade de manifestação nasceu a ideia do “Free Esco”?

Meus amigos gritaram liberdade para Jovem Esco e então me veio a ideia desse álbum. Já que eu não tenho tempo pra perder, decidir por mais trabalho, tendo referência a “liberdade para o tal mano” como costumamos ver muito na cena de rap quando um irmão tem de enfrentar isso. Porém, Free Esco também remete ao fato de eu poder experimentar e cantar e rimar tudo que deu vontade, sem padrões e pretensões, sem me importar com julgamentos e expectativas de visões externas que tentam me definir de como eu tenho de ser.

AQUINO: Aproveitando o embalo, quais os conceitos e propósitos presentes no álbum, falando em especial da produção musical?

É um álbum de liberdade em vários tons, cores e momentos. Em cada música, uma sensação de liberdade diferente tanto pra mim que fez e pra quem escuta, espero. Sem ter que falar de crime, cana, racismo, violência ou a própria liberdade em si, manifestando assim minhas visões, sensações, crenças e vivências de forma simples e livre, sem querer forçar algo complexo.

O álbum Leva esse nome também pelo fato que eu produzi ele todo sozinho. Geralmente, sempre tive algum acompanhamento na produção de algum amigo como o Makalister, Beli Remour, a produtora com qual eu fecho, a Golden Ed Música aqui de São José/ Santa Catarina. Mas na busca pela própria liberdade e independência, decidi usar o pouco que tenho e sei. Então já começa pelo conceito de independência, de eu ter feito toda produção dos beats sozinho.

AQUINO: E na parte visual? O que você pretende trazer na capa do EP e dos singles?

A ideia inicial era usar o vermelho primário, que me passa uma sensação de força, paixão, guerra, ódio e amor, equilíbrio e êxtases. Porém, esse tom do Arsenal me passou mais sobriedade, maturidade e garra, (psicologia das cores que fala, né?!) aquele pique de jogador. O Óculos que uso na foto principal da capa faz referência a Malcom X que ja é autoexplicativo e o escorpião representa meu signo (apesar de eu não acreditar muito em signos), que significa o meu nascimento e também representa a morte/renascimento do ser.

Na parte de trás temos uma folha de caderno amassada com a tracklist que remete meus tempos no início do rap: meu quarto era cheio de folhas amassadas (antes de aderir ao bloco de notas do radinho) e rabiscadas de rimas, que deixavam minha coroa boladaça (risos). Por fim, minha foto pequeno ao lado da caixa de som é pra representar um pouco a grande paixão, importância e afinidade que sempre tive com a musica, sendo também uma homenagem a minha coroa, que me adotou quando bebê, me tirou da favela, do “lixão”, e a forte admiração e amor de um pelo outro.

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COLABORAÇÕES

AQUINO: Irmão, tem praticamente um feat em cada faixa, nomes de peso. Como é seu processo criativo na produção dessas faixas e quais os critérios que você julga necessários para a colaboração com os outros artistas?

Eu sou um cara fechado pra colabs, mas como o álbum é livre e eu faço como quero e tô me renovando, enchi de feat mesmo, de gente que há tempos eu vivia me prometendo colaborar, gente foda que sempre admirei. Meu processo não tem um padrão, as vezes é uma frase, um sample, um loop de bateria, uma música aleatória, um sentimento, sempre uma vivência como base, que age como uma faísca que acende o fogo da inspiração e começo a escrever. Meu processo é esse, é livre, é Free.

Agora pro feat, tem que ser alguém que já olhei no olho, que já apertei a mão, que fui com a “cara” da pessoa, às vezes mais que a própria música que ela faz. É minha admiração pela pessoa e o corre que ela faz também, pelo certo. Mas estou aprendendo a flexibilizar isso e me abrindo para novas colabs tentando administrar toda essa readaptação e forma de trabalhar com outros, usando as redes.

AQUINO: É natural que cada música tenha um valor singular e subjetivo, mas quais você acredita que podem trazer maior atenção do público?

Difícil dizer, já que são músicas diferentes uma das outras e cada uma tem seu potencial, energia e situação. Gosto muito de todas, de verdade. Chapei muito sozinho ouvindo uma por uma. Tem a música com a Mc Versa, “Nada novo sob o Sol”, me passa algo bem forte e espirituoso e também é a primeira mina que fecho um trabalho oficial. Todos foram escolhidos a dedo com muito carinho e respeito.

LANÇAMENTO

AQUINO: Qual a previsão de lançamento?

Como dito antes, de acordo com a agenda de trabalhos, oportunamente, escolhi dia 7 de setembro, dia da “Independência do Brasil”. Saca?

AQUINO: Quero fazer um review de lançamento. Cê vai me apresentar as faixas com antecedência?

Só se rolar cachê, mermão! Com adiantamento de 70%! (risos)

AQUINO: Irmão, deixe um recado para o seu público e pra moçada que ainda não conhece seu trabalho:

Antes de tudo, ouça, escute. Dez vezes se preciso. Em primeira vista pode parecer só mais uma música mas as letras trazem vários significados nas entrelinhas por trás da simplicidade. Salve Jovens. A vida é louca, porém, o mundo gira. O importante é ter mente aberta e sempre lutar no lado da verdade que nos leva pra frente. A intuição é nosso guia. A palavra é poderosa, ela é indissociável do ser. Pra algumas sociedades africanas a palavra é uma força vital que emana do nosso ser maior. Cuidem o que estão absorvendo e exalando ao mundo. Sempre tenham respeito, até por seus “inimigos”. Use o que tem, se cansar, insista. As palavras e o desejo são fortes, use com sabedoria. Com o livre arbítrio vem as responsabilidades. Sejam livres em si primeiro e se amem. Erros e acertos moldam o caráter. Respeite as vidas independente das diferenças. Às vezes quando queremos compreensão vai ser quando mais o mundo vai exigir compreensão de você mesmo. Faça o que ama, cruze os horizontes e vocês mesmos!

“seja quem tu quiser
desde que seja pra valer
ou então não seja nada
desde que tu, seja você”

Sou grato a vocês que desde já acompanham e apoiam meu trabalho, seja divulgando, dando play, desfrutando das músicas. Posso sentir daqui a troca de energia e assim, com essa troca, vamos longe. Porque eu como artista nesse corre e vocês como fãs, somos um só o começo. Bounce!

E fogo nos nazistas, porra.

OUÇA “INTRÍNSECO”, DE JOVEM ESCO:

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