As plataformas de streaming e as tecnologias em geral possibilitaram que o acesso à produção musical se tornasse mais possível e aberto. Milhares de artistas se lançam no mundo semanalmente e querem a atenção de um público que, aqui no Brasil, ainda não é a maioria: o público do rap.
Neste contexto, não bastasse um público já fragmentado, as mulheres da cena ainda precisam enfrentar um segundo obstáculo para receberem a devida atenção: a presença massiva dos homens na cena. Digo, não é a mera existência dos homens que dificulta o acesso às obras das mulheres, mas o público que majoritariamente elege artistas homens como seus favoritos.
Veja, no Samba, no Sertanejo, na MPB, a presença das mulheres é mais constante. No rap, talvez até por ser um gênero mais recente na história, ainda acompanhamos uma saga de pura insistência de muitas artistas que querem seus ouvidos. Uma delas é a Real Parruda, que é um dos reais exemplos de tudo isso aí que eu falei acima.
Confira a troca de ideia com a artista
Estabelecida na Vila São Pedro, em Curitiba, a Real Parruda (@realparruda), outrora conhecida apenas como “Anne”, conta como surgiu o vulgo que a representa:
A galera do meu convívio começou a me chamar de parruda e pegou. Parruda no sentido de “braba”, eu adorei aquilo. E aqui todo mundo tem um vulgo. Então pegou e gostei muito do conceito quando lancei esse nome artísticamente
E de fato, a mina é braba. Logo no seu single de estreia, ela faz questão de se colocar com segurança em um terreno até então novo e reforçar os seus vínculos com as mulheres que enfrentam os mesmos obstáculos que ela. Na faixa “Solte-me”, uma das linhas mais marcantes é: “Tão forte como as que vieram antes de mim”. Sobre essas referências, a Parruda exemplifica um pouco:
Na vida são as mulheres da minha família, principalmente minha mãe.
Na música, são inúmeras, como: Cássia Eller, Marisa Monte, Aaliyah, Rihanna, Flora Matos.
Ela também citou alguns homens referência na música, mas agora não interessa, sabe?
Confira: “Conseguimos fortalecer a quebrada com 2 mil marmitas por dia, Djonga”
Envolvidona nos processos
Interessante é a forma como a Real Parruda se envolve em praticamente todas as etapas dos seus projetos. Ela já fazia beats em meados de 2018, já tinha algumas composições em andamento e o tempo só a aproximava do resultado final que ela mesma cuidou tão bem do processo:
O processo é de correria intensa porque eu preciso dar conta de fazer tudo que me proponho.
Eu escrevo as letras, faço o beat, escrevo release pras mídias, divulgo, dirijo cena, agora faço arte também (risos).
Ela conta ainda que gostar de estar na linha de frente desses projetos, que precisa disso, considerando que são momentos em que se aprende e absorve ao máximo do processo. Obviamente, porém, sempre precisamos de uma força: Nos seus trabalhos ela também conta com a participação do Bera Beats, um beatmaker e produtor musical da área, e também da produtora Trash Vision (@shotbytrashvision)
Mas como a gente vinha falando, a carreira musical dos artistas em geral e em especial das mulheres é uma jornada pela atenção e visibilidade. De todo modo, a Real Parruda quer sua conquista pelo seu processo, reconhecendo que existem algumas desvantagens, mas apreciando cada momento e lutando pela nossa atenção com música boa e honesta.
Independente de estar começando, da quantidade de views, ou de qualquer comentário negativo; eu tô feliz com cada passo que tenho dado. Tô muito feliz com as pessoas me conhecendo, abraçando o som, minha vibe, vindo me contar sobre o que acharam, isso é tudo pra mim. Incomoda é não ter a visibilidade e facilitação que eu teria se fosse homem, mas acredito realmente que essa situação já caminha pra deixar de existir
Projetos futuros e em andamento
Conhecendo as peculiaridades do momento em que vive, a Real Parruda, que lançou nesta semana a deliciosa faixa “GLOW“, em parceria com Diaká, já tem em vista os próximos passos, ainda que alguns destes estejam prejudicados pela pandemia em andamento:
Infelizmente comecei minha carreira no início de uma pandemia e definitivamente tive e estou tendo muitas limitações, o que é natural.
Planejo um EP pro futuro, tenho planos em relação à ter uma marca e um homestudio pra alavancar a produção musical das minas na cena, em CWB principalmente. Tudo distribuído à médio e longo prazo
A conversa ainda seguiu um pouco com a Real Parruda falando a real sobre o atual governo. Discorrendo também sobre a importância dos artistas se engajarem e tratarem de temas relevantes, não só na música, mas também enquanto figuras públicas enquanto membros da sua comunidade. E obviamente, ela está certa.
O discernimento político e social da Real Parruda é um dos motivos que devem te chamar a atenção, mas é ligeiramente secundário. O principal motivo é apenas a música. Com uma sonoridade impactante e agradável, versos quentes e ideias bem construídas, a Real Parruda merece que você dê uma pausa no que está fazendo e escute. E mais: se inscreve no canal pô, siga no instagram, compartilhe com os amigos.